As características hereditárias da endometriose foram reconhecidas pela primeira vez há mais de trinta anos, quando o risco de desenvolver endometriose grave em mulheres com parentes de primeiro grau afetadas pela condição foi calculado como sendo 7% superior ao risco de mulheres sem parentes afetadas.
Três tipos principais de transtornos genéticos podem ser reconhecidos: os cromossômicos, os de um único gene (ou mendelianos) e os transtornos multifatoriais.
Os transtornos multifatorias são responsáveis por 60% das doenças na população geral, como câncer, infarto do miocárdio, diabetes, hipertensão e doença de Alzheimer. O modelo de herança poligênica postula que uma certa doença é causada por efeitos cumulativos individuais de vários genes distintos agindo conjuntamente com fatores ambientais aos quais indivíduos de uma mesma população estão expostos, daí a denominação herança multifatorial.
A endometriose é um transtorno poligênico e multifatorial associado a uma interação complexa entre os hormônios, ativação de citocinas, processos imunoinflamatórios, fatores genéticos e ambientais. Recentemente várias associações entre o desenvolvimento de endometriose e mutações genéticas foram feitas de forma que tais mutações colaborariam através de mecanismos diferentes para a fisiopatogenia da doença. Bedawiy e cols.(2006) investigaram a associação entre a endometriose e o polimorfismo 4G/5G do gene PAI-1. Avaliaram os genótipos de 75 mulheres com endometriose e 43 controles sem a condição. Concluíram que o genótipo 4G/4G era mais frequente em pacientes com endometriose se comparadas a pacientes sem a condição, sugerindo que a persistência da matriz de fibrina poderia explicar o início da endometriose na cavidade peritoneal em algumas pacientes com menstruação retrógrada, enquanto em outras não.
Ramón et al (2008) avaliaram a prevalência do polimorfismo 4G/5G do gene PAI-1 em um grupo de 170 pacientes com endometriose e um grupo controle de 219 pacientes sem endometriose, e analisaram a influência deste polimorfismo na expressão do PAI-1 em tecido endometrial e no líquido peritoneal. Concluíram que as distribuições genotípicas entre pacientes e controles eram semelhantes, os níveis de PAI-1 pareciam estar associados ao polimorfismo 4G/5G em líquido peritoneal e tecido endometrial de pacientes controles, e que os níveis aumentados de PAI-1 observados no líquido peritoneal de pacientes com endometriose poderiam contribuir para aumentar as aderências peritoneais observadas na doença.
Gentilini e cols.(2009) avaliaram a prevalência do polimorfismo 4G/5G do gene PAI-1 em um estudo caso-controle de uma população italiana. O grupo de casos era composto por 204 pacientes com endometriose, dois grupos controles eram constituídos de 164 mulheres com outras doenças ginecológicas benignas com exceção da endometriose, e 329 homens e mulheres. Os autores concluíram o estudo dizendo que seus dados não mostraram quaisquer associações entre os genótipos 4G/5G e 4G/4G do PAI-1 e a endometriose, e excluíram o polimorfismo como fator importante no desenvolvimento desta condição.
Gonçalves-Filho e cols(2011) compararam as frequências do polimorfismo 4G/5G do PAI-1 em um grupo de 140 mulheres inférteis com endometriose, 64 com infertilidade idiopática e 148 mulheres férteis sem endometriose como grupo controle. Concluíram que o genótipo 4G/4G colaborou para a infertilidade associada a endometriose e colaborou também para a progressão da doença para graus mais graves.
Baranova e cols.(1997) estudaram o polimorfismo do gene GSTM1 numa população francesa de mulheres com e sem endometriose. Este gene é responsável pela codificação de uma enzima, a Glutationa S-Transferase 1, que participa de uma das fases do processo de detoxificação de poluentes orgânicos persistentes(POPs). Estas substâncias têm a capacidade de bioacumular em organismos vivos, sendo tóxicos para o homem atuando negativamente como disruptor dos sistemas reprodutivo, imunitário e endócrino. A dioxina e o policlorodifenil são POPs que já haviam sido associados à patogênese da endometriose em estudos anteriores. Os autores compararam 50 pacientes com endometriose e 72 pacientes sem endometriose e verificaram que a forma inativa do gene está presente em maior frequência em pacientes com endometriose sugerindo que fatores ambientais podem colaborar com a endometriose.
Bischoff e Simpson(2000) realizaram revisão de literatura sobre estudos de herdabilidade e bases moleculares da genética da endometriose e concluíram que a predisposição genética para a condição já estava estabelecida, deveria envolver um ou mais genes causadores, e que a gravidade da doença tendia a variar assim como sua progressão, baseadas na herança poligênica e multifatorial. Novos estudos eram necessários para a identificação dos principais genes de susceptibilidade e que isto ajudaria no desenvolvimento de melhores métodos de detecção precoce, diagnóstico e prevenção. Zondervan e cols(2001) chegaram às mesmas conclusões deste grupo e chamaram a atenção para que entre os fatores ambientais de risco deveriam ser inclusos a menstruação retrógrada, os estrogênios, e uma possível falha de detoxificação da dioxina, opinião também compartilhada por Bellelis e cols(2011), que investigaram o impacto da exposição a agentes ambientais como a dioxina e similares e sua associação com a endometriose. Em relação aos genes candidatos, segundo Zondervan e cols., aqueles relacionados a processos de detoxifixação tinham sido os mais estudados até então sendo os principais o citocromo 450(CYP450), envolvido na primeira parte do processo, o GSTM1 citado anteriormente e o NAT2, um gene envolvido em processos de biotransformação de compostos tóxicos.
Montgomery e cols(2008) publicaram importante e extensa revisão de literatura sobre estudos do mapeamento de genes candidatos à associação com a endometriose e encontraram 103 artigos. Foram avaliadas variações genéticas de 76 genes mas nenhum estudo mostrou evidências convincentes de replicação. Os autores concluíram a revisão afirmando que há boa evidência de contribuição genética para o risco do desenvolvimento da endometriose e por ser a endometriose uma condição complexa, as evidências eram as de que vários genes com pequenas contribuições individuais colaborariam para o risco genético. Consequentemente estudos com maior poder de associação e com melhor metodologia seriam necessários.
Em 2009 Bianco e cols. investigaram a frequência do polimorfismo +1730 G/A do gene codificador do receptor beta do estrogênio ER, também chamado de polimorfismo Alu1 numa população brasileira de 108 pacientes inférteis com endometriose e 210 controles férteis. Segundo os autores, uma vez que os receptores beta de estrogênio eram encontrados nas células da granulosa do folículo ovariano, eles teriam provavelmente um papel importante na alteração do mecanismo ovulatório de pacientes inférteis com endometriose, caso um defeito em sua expressão fosse induzido pelo polimorfismo. Estudos prévios também já haviam demonstrado a presença destes receptores em tecido endometriótico sendo que haveria a produção de estrogênio no próprio tecido endometriótico, fator que colaboraria com sua perpetuação. Encontraram diferença estatisticamente significante entre os dois grupos que associava o polimorfismo ao desenvolvimento da infertilidade associada à endometriose. Concluíram sugerindo que novos estudos com amostras maiores de pacientes seriam necessários para avaliar se esta associação era real.
Mafra e cols.(2010) estabeleceram a frequência do polimorfismo G1502A do gene codificador da sub-unidade beta do hormônio luteinizante (LH beta), hormônio importante para o desenvolvimento folicular, estimulação da esteroidogênese e maturação do oócito, sendo que secreção anormal de hormônio luteinizante levaria à anovulação, síndrome dos ovários policísticos, insuficiência lútea e infertilidade. Comparando as frequências do polimorfismo G1502A LH beta entre um grupo de 110 pacientes inférteis com endometriose, 84 pacientes inférteis sem endometriose e 209 pacientes férteis, concluíram por seus resultados que poderia haver associação entre este polimorfismo e a infertilidade associada à endometriose em estágios iniciais (I e II) e também sugeriram que estudos com grupos maiores de paientes fosse realizado.
Barbosa e cols(2011) publicaram revisão de literatura sobre artigos relacionados a interação da endometriose com variantes genéticas polimórficas que interferem na produção de hormônios importantes para o ciclo reprodutivo. Concluíram que a proliferação e diferenciação do endométrio são mediadas principalmente por estrogênio e progesterona. Contudo, genes responsáveis pela indução da produção do hormônio luteinizante, dos androgênios, dos desreguladores endócrinos e genes que afetam o metabolismo de hormônios sexuais são candidatos a influenciar o desenvolvimento e a progressão da endometriose. Os polimorfismos genéticos na maioria dos casos não são a causa direta das doenças mas são considerados importantes componentes do estudo de doenças multifatoriais. Portanto, identificar combinações críticas de variações genéticas que conferem riscos adicionais de desenvolver endometriose seria de interesse clínico para identificar mulheres com maior probabilidade de se beneficiar de intervenções cirúrgicas, farmacológicas ou ambas.
Através da associação entre essas mutações e os distintos comportamentos da doença, seria possível determinarmos como a doença poderia progredir, seja causando somente dor, infertilidade ou ambas. A partir de um painel de mutações que cada paciente com endometriose poderia ser portadora, seria possível individualizar-se as terapêuticas, visando cada sintoma de forma específica.